sexta-feira, 28 de março de 2008

Uma carta

Caffarel em Roma, 1965

H. Caffarel em 1965



«Utilizai então este teste: Durante um dia apenas, esforçai-vos por despistar todas as mentiras que se escondem nas vossas atitudes, nas vossas palavras, nas vossas cartas, nos vossos gestos, nos vossos silêncios, nos vossos pensamentos, nas vossas orações, para com a vossa mulher, os vossos filhos, a vossa porteira, as pessoas que encontrardes, para com vós mesmos (porque mentimos também a nós mesmos, e não menos do que aos outros), para com Deus (...). Se não ficardes horrorizados à noite, no fim desse dia, é porque sois um santo, a menos que não sejais um cego. E, nesta segunda hipótese, o vosso caso é grave.»

do editorial da lettre mensuelle nº 4, 1948.

quinta-feira, 20 de março de 2008

A idade da humildade

Sobre a idade longa, disse Bento XVI, de improviso, na homilia durante a Santa Missa celebrada no Centro Internacional Juvenil São Lourenço, a 13 de março 2008:


«...Poderíamos dizer que toda a ciência, sobretudo a medicina, é uma única e grandiosa luta pela vida. No fim de contas, a medicina é a procura da oposição à morte, é a busca da imortalidade. No entanto, podemos porventura encontrar um remédio que nos garanta a imortalidade? É precisamente esta a questão do Evangelho hodierno. Procuremos imaginar que o remédio chegue a encontrar a receita contra a morte, a receita da imortalidade. Mesmo neste caso, tratar-se-ia ainda de um remédio inserida na biosfera, indubitavelmente um remédio útil também para a nossa vida espiritual e humana, mas por si só um remédio limitada a esta biosfera. É fácil imaginar o que aconteceria, se a vida biológica do homem não conhecesse ocaso, se fosse imortal: viveríamos num mundo envelhecido, um mundo cheio de idosos, um mundo que não reservaria mais espaço aos jovens, à renovação da vida. Deste modo, compreendemos que este não pode ser o tipo de imortalidade ao qual aspiramos; não é esta a possibilidade de beber da fonte da vida, que todos nós desejamos. Precisamente nesta altura em que, por um lado, compreendemos que não podemos esperar um prolongamento infinito da vida biológica e todavia, por outro, desejamos beber da própria fonte da vida para gozar de uma vida sem fim, é exactamente nesta altura que o Senhor intervém e nos fala no Evangelho, dizendo: "Eu sou a Ressurreição e a Vida. Quem crê em mim, mesmo que tenha morrido, viverá. E todo aquele que vive e crê em mim, não morrerá para sempre". "Eu sou a Ressurreição!": beber da fonte da vida significa entrar em comunhão com este amor infinito, que é a fonte da vida.
Encontrando Cristo, entramos em contacto, aliás em comunhão com a própria vida e já atravessamos o limiar da morte porque, para além da vida biológica, entramos em contacto com a verdadeira vida. Os Padres da Igreja definiram a Eucaristia como remédio da imortalidade. E é assim, porque na Eucaristia nós entramos em contacto, aliás em comunhão com o corpo ressuscitado de Cristo; entramos no espaço da vida já ressuscitada, da vida eterna. Entramos em comunhão com este corpo, que é animado pela vida imortal, e vivemos assim desde já e para sempre, no espaço da própria vida. E de tal forma, este Evangelho é também uma profunda interpretação do que significa a Eucaristia, convidando-nos a viver realmente da Eucaristia para podermos ser deste modo transformados na comunhão do amor. Esta é a vida verdadeira. No Evangelho de João, o Senhor diz: "Vim para que tenham vida, e a tenham em abundância". Vida em abundância não significa, como alguns julgam, consumir tudo, ter tudo e poder realizar tudo o que se deseja.

Em tal caso, viveríamos para as coisas mortas, viveríamos para a morte... »

Fonte: L'Osservatore Romano

terça-feira, 18 de março de 2008

Sem idade

No ano em que perfazem 100 anos, ou mais, vivos e activos, curvo-me perante:



Assim Deus os queira e guarde com esta excepcional actividade a que nos bem habituaram.



Niemeyer aos 100 anos
Oscar Niemeyer aos 100



Isto, pensando neste Dom, a idade, que nos vai chegando. Mas há os menos afortunados, os que chegam a esta Idade Maior com menos qualidade, com filhos também idosos, a rondar os 80, e até mesmo com netos acima dos 50. Tudo isto dá que pensar: afinal o avançar médio da idade pode ser também uma das novas Torres de Babel, edificada pela vaidade de dominar a Natureza.



Levi-Strauss - Julio Pomar


Lévi-Strauss, por Júlio Pomar


Mas aí há um outro Dom: o de, durante a maior parte da vida, se sentir o peso do corpo, o peso da oferta, o peso do pó.




Manoel e Isabel de OliveiraManoel e Maria Isabel de Oliveira, O Enigma, 2007.



E porque um Dom recebe-se Dele, é por isso irrecusável. Mas o espaço para o arbítrio também é Dom, decerto aquele mais irrenunciável: o que fazer, do cimo deste corpo, desta idade?



Cartaz O Enigma
N'O Enigma, o personagem desempenhado por Maria Isabel
pergunta ao de Manoel: «Mas tu gostas mesmo de mim?».
É de improviso que se adivinha, e Manoel responde, sem palavras.
Mais tarde abre-lhe a porta do carro, junto ao mar.

Com idade



«O Presidente Nicolas Sarkozy presidiu ontem ao funeral do último poilu (veterano da I Guerra Mundial), Lazare Ponticelli, um imigrante italiano que entrou para a Legião Estrangeira aos 16 anos, em 1914, e morreu na semana passada, com 110 anos. Durante a presidência de Jacques Chirac, Ponticelli recusara ser enterrado num funeral de Estado. Mas pouco antes de morrer, disse que aceitaria uma cerimónia simples, em homenagem aos seus camaradas mortos durante a guerra. O veterano assistia, todos os anos, às comemorações do Armistício de 1918 em Kremlin Bicetre, um subúrbio de Paris, e recusou sempre os convites paras as cerimónias oficiais nos Campos Elísios. (...)»
(Do jornal Público, 18 Março 2008, p. 17.)


Do cimo desta idade, olha-se para os iguais com assombro e medo. A recriação de uma amizade, impossível para quem esteve lá, faz o nosso teatro, este mais duro e verdadeiro que qualquer Shakespeare: afinal o soldado alemão e o soldado francês abraçam-se. Quem são mais reais, estes mais recentes ou o mais idoso? O que viveu a guerra, ou o que veio meia hora antes da Pizza Hut, com pressa, para fazer esta sessão de fotografia? O que viveu a guerra, ou o que agora lê esta "curiosidade" no jornal?

Sem guerra, a futilidade. Com guerra, a futilidade. Com idade.

domingo, 16 de março de 2008

Um Compromisso




Do dia 9 de Março 2008, no Turcifal, entre outras coisas que não esqueceremos, ficou-nos também este livro. Conjunto de contos, escrito por quem nos lê por dentro e nos descreve, nós, ora fortes ora fracos, ora melhores, ora piores, sempre humanos. Por trás do texto, o desafio...
No frontispício uma nota de oferta, sem nomes, sem assinaturas. Muito para aprender.

Henri Caffarel, Nas Encruzilhadas do Amor. Estoril: Princípia Editora, Lucerna, 2008. ISBN 978-972-8835-48-4.

sexta-feira, 7 de março de 2008

Uma aluna

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segunda-feira, 3 de março de 2008

Uma trabalhadora



Alcochete. Domingo. Um restaurante bem decorado com uma óptima vista sobre o Tejo.

A servir, uma menina com cerca de dez anos. Trazendo tudo, com timidez. A mãe viera ao início, recolher o pedido, e no final. Pensamos que estar a servir não é o lugar da menina. Que mesmo estando no restaurante, perto da mãe, há livros, brinquedos, outras coisas para fazer.

Interpelei a mãe com tacto mas com firmeza: se é sua filha, se não está longe da idade de trabalhar. Lembrei-lhe, entre frases, que era uma situação proibida e constrangedora para todos.

Surpresa do outro lado. Que não, que era episódico. Que estava ali no restaurante até com uma amiga. À saída reparámos, lá estavam as duas, a almoçar. Ao longe, uma ponte, com dez anos, que demora a trazer e a levar. E eu, a pensar se não deveria ter usado o Livro de reclamações. Ficou o benefício da dúvida.

sábado, 1 de março de 2008

Um trabalhador


Registado à pressa, com o meu telemóvel, na rua Rosa Araújo, Lisboa. Eram dois, os trabalhadores, ao início, sem arnês, cordas, ou andaimes. Aparentavam ser imigrantes. Um deles entretanto subiu o telhado para fora de alcance da imagem.
O edifício: Instituto da Vinha e do Vinho. O dia: 27 Fevereiro 2008. Hora: 18h00. O trabalho: colocar telhas novas.